Griôs, contadores de história
Em várias sociedades da África
ocidental, numa região que vai do Senegal, a oeste, até o Chade, a leste,
existem pessoas responsáveis por guardar e transmitir oralmente a história de
seu povo. São excelentes contadoras de histórias e têm grande capacidade de
memorização. Conhecidas como griôs
(de griot, palavra de origem francesa
derivada de guiriot, que designa um
tipo de músico ambulante de certas regiões da África), essas pessoas pertencem
a uma casta inferior da sociedade muçulmana. Aprendem a arte de narrar ainda
muito jovens e passam a vida toda memorizando e difundindo as histórias de seus
antepassados.
Os griôs tocam instrumentos musicais
enquanto cantam suas narrativas. Portanto, são também músicos, além de contadores
de histórias.
A origem dos griôs é desconhecida. Segundo
a tradição dos malinqués (etnia que habita diversas regiões da África
ocidental), os griôs teriam surgido na época do profeta Maomé (século VII d.
C.). Chamados de djelis na língua
malinqué, os griôs seriam descendentes de Sourokata, um infiel (pessoa que não
segue a religião considerada verdadeira ‘no caso, o islamismo’) que se converteu
ao islamismo. Leia a seguir uma das versões da lenda sobre a origem dessa
casta, contada por um griô da Costa do Marfim.
Nosso
antepassado é Sourakata. Ele não rezava. Nessa época, havia uma grande guerra. Sourokata
não queria rezar e Maomé lhe perguntou: “Por que você não reza?”. Sourokata respondeu:
“Eu não rezo!”. No auge da guerra, Sourokata foi preso porque não queria rezar.
Enquanto o torturavam, ele gritou e pediu perdão. Então Maomé disse: “Como ele
grita bem, não o matem. Ele vai continuar entre nós e gritar. Todos os filhos e
netos de Sourokata serão griôs.
Maomé
deu a Sourokata uma agulha e disse:”Você deve costurar a cauda do meu cavalo”. Depois
ele disse: “Se os marabutos (sacerdote muçulmano que leva uma vida desapegada
das coisas materiais; é venerado durante a vida e considerado um santo após a
sua morte) escreverem em papéis, costure pequenos saches de couro e guarde-os
dentro”. Maomé disse ainda: “Não faça mal aos griôs”. Desde esse dia, quando há
uma discussão, se um homem se irritar, o griô batem em seu tambor falante (Tambor
em forma de ampulheta, colocado debaixo do braço e tocado com um aro de ferro
com uma bola na ponta. Produz diversos sons, e o griô que o toca procura imitar
com o tambor os sons de sua fala.) e diz: “Deixe o outro em paz!”.
Traduzido e
adaptado de: ZEMP, Hugo. La légend dês griots malinké (a lenda dos griôs
malinqué). Cahiers d’Études Africaines (Cadernos
de Estudos Africanos), v. 6, n. 24, 1966. p. 616-617.
Em muitas sociedades da África
muçulmana, a expressão “gritar sobre alguém” significa dizer em voz alta o nome
dessa pessoa, glorificar seu passado, recitar os nomes e gestos heróicos de
seus ancestrais. É o que chamamos de “cantar suas glórias”. Essa é a principal
atividade do griô.
A lenda também fala de duas outras
ocupações dessa casta: produzir objetos em couro e intervir nas disputas para
acalmar os adversários. Por isso, apesar de pertencer a uma casta inferior, os
griôs são muito respeitados nas sociedades tradicionais africanas, e sua
palavra tem valor sagrado.
Para os historiadores e outros estudiosos
da cultura, os griôs também são muito importantes, pois preservam histórias e
tradições que, por não serem escritas, seriam perdidas. Nós, que vivemos em
sociedades de transmissão escrita, onde o livro parece ter mais importância do
que a palavra falada, temos muito a aprender com esses povos. Seguindo seu
exemplo, poderemos valorizar o saber dos mais velhos e desenvolver a função da
memória, tão necessária na transmissão oral.
Referências:
VICENTINO,
Cláudio; VICENTINO, José Bruno. Projeto
mosaico: história – anos finais (ensino fundamental), 6° ano. 1ª ed. São Paulo:
Scipione, 2015. p. 124-125.
Fred Costa
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