O Brasil veste as chuteiras
Surgido na Inglaterra, o futebol
chegou ao Brasil no final do século XIX. Era praticado tanto por jovens de
famílias ricas, que tiveram contato com o esporte em seu país de origem, como
por ingleses que vieram trabalhar no Brasil. Rapidamente o esporte se disseminou
entre os operários brasileiros e imigrantes.
Até meados da década de 1910, porém,
clubes de futebol como o Fluminense, no Rio de Janeiro, ou o Germânia, em São
Paulo, não aceitavam em seus times trabalhadores ou jogadores negros. Estes só
podiam jogar em clubes operários, como o Bangu Athletic Club, no Rio de Janeiro,
um dos primeiros do país a formar um time de futebol com trabalhadores de uma
indústria têxtil, e o Sport Club Corinthians Paulista, em São Paulo. A mesma discriminação prevaleceu nas primeiras
seleções, como a de 1921, escalada para o Campeonato Sul-Americano. Às vésperas
do embarque dos jogadores para a Argentina, os jornais denunciaram que o presidente
Epitácio Pessoa havia vetado a participação de jogadores negros. A denúncia,
que foi negada pelos envolvidos, era confirmada pela escalação: o único
afrodescendente do time era Arthur Friedenreich, ídolo do futebol brasileiro
entre os anos 1910 e 1930. Ele também foi o único negro brasileiro a jogar nos
campeonatos de 1930, no Uruguai, e de 1934, na Itália.
Uma exceção à
regra foi o Club de Regatas Vasco da Gama, cujo time de futebol foi fundado em
1915. Criado pela colônia portuguesa da cidade do Rio de Janeiro, ele aceitava
jogadores sem distinção étnica ou econômica. E, desde o início da década de 1920,
fornecia-lhes alojamento, alimentação e gratificação em dinheiro para dedicarem-se
exclusivamente ao futebol. Com isso, profissionalizavam o esporte, até então
predominantemente amador.
Na virada para os anos 1930, o
futebol já entusiasmava milhões de brasileiros, criando torcidas que se identificavam
com seus ídolos não somente pelo desempenho em campo, mas também pelos traços
étnicos ou pela condição socioeconômica.
Sob a ditadura Vargas, o governo
criou leis para melhorar as condições de trabalho dos jogadores mais pobres e
superar as tensões raciais ainda existentes. Seus reflexos foram sentidos na
Copa de 1938, ocorrido na França. A seleção brasileira contava então com duas “estrelas”
afrodescendentes: Domingo da Guia e Leônidas da Silva, popularmente conhecido
como Diamante Negro.
O bom desempenho dos brasileiros
nesse Mundial, com a conquista do terceiro lugar, serviu para o antropólogo
Gilberto Freyre reforçar sua tese sobre a mestiçagem. Segundo ele, o futebol
praticado pela nossa seleção seria uma mistura de movimentos africanos da
capoeira e do samba com a técnica aprendida dos ingleses. Tal mistura teria
originado uma forma de jogar típica e original, ideia bem ao gosto do
projeto político do Estado Novo. Para Freyre, a mistura de raças notadas no
futebol também comprovaria a existência de uma “democracia racial” no Brasil,
onde negros e brancos conviveriam em harmonia.
Desde então, o futebol passou a ser apontado como símbolo da nossa nacionalidade, devido à originalidade com que misturava diferentes heranças. No entanto, o preconceito persistia e contrariava o discurso oficial. Nesse mesmo campeonato, a derrota para a Itália, por causa de um pênalti cometido por Domingos da Guia, fez recair sobre ele a responsabilidade pelo resultado final. Algo semelhante ocorreu na Copa de 1950, quando o goleiro Barbosa, afrodescendente, não conseguiu evitar que o Uruguai vencesse a partida final em pleno Maracanã.
Referências:
VICENTINO,
Cláudio; VICENTINO, José Bruno. Projeto
mosaico: história – anos finais (ensino fundamental), 9° ano. 1ª ed. São
Paulo: Scipione, 2015. p. 148-149.
Fred Costa
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