domingo, 6 de fevereiro de 2022

Conheça mais à História - Uma rainha africana

 Uma rainha africana

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            A trajetória de Nzinga Mbandi é um exemplo de como os chefes centro-africanos enfrentaram o avanço português.

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            Nasceu em 1582, filha do oitavo Ngola (do qual derivaria o nome Angola), título do principal chefe do reino do Ndongo.

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     No reinado de seu irmão Ngola Mbandi, agravou-se a tensão entre os locais e os conquistadores. Em 1617, o governador de Angola, Luis Mendes de Vasconcelos, invadiu o reino de Ndongo para construir o presídio Mbaka, a poucas milhas de Cabaça, a moradia do Ngola. O resultado foi uma guerra intensa, ao fim da qual Ngola, vencido, refugiou-se a ilha de Kindonga, no rio Kwanza. Em 1622, João Correia de Sousa assumiu o governo e decidiu procurar o Ngola para restabelecer a paz, uma vez que o cenário de guerra paralisara os mercados de escravos. Foi quando Nzinga entrou em cena.

      Ngola Mbandi mandou sua irmã mais velha como embaixadora para negociar a paz com os portugueses. Na audiência com o governador, ela impressionou a todos por sua inteligência e habilidade diplomática. Defendeu a manutenção da independência do Ndongo e o não pagamento de qualquer tributo à Coroa e o não pagamento de qualquer tributo à Coroa portuguesa, mas se mostrou aberta ao comércio. Entendendo que a paz com os portugueses passava pelo batismo cristão, aceitou o sacramento: recebeu o nome de D. Anna de Sousa,m tendo como padrinho o próprio governador. De sua parte, os portugueses se comprometeram a efetivar a retirada do presídio de Mbaka.

         O acordo, porém, não foi cumprido nem por aquele governador nem pelos sucessores. A situação levou ao enfraquecimento político de Ngola Mbandi, que morreu na ilha de Kindonga, em 1624, em circunstâncias que continuam sendo uma incógnita para a historiografia de Angola. Nzinga se apoderou das insígnias reais e assumiu o trono do Ndongo.

        A nova rainha foi associada à possibilidade de libertação do povo Mbundo, etnia predominante no reino Ndongo. As crescentes fugas de [...] escravizados que guarneciam os presídios [...] enfraqueciam as tropas lusas, enquanto fortaleciam o exército de Nzinga. Aproveitando-se desse contexto favorável, a rainha lançou a campanha antilusitana, formando e liderando uma confederação de descontentes com a colonização. Conquistou o apoio de sobas que já haviam se avassalado, além de poderosos chefes que não pertenciam ao Ndongo, como o Ndembo Mbwila (Ambuíla).

         Capturar Nzinga e reduzi-la à obediência passou a ser um dos objetivos principais do governo português. [...]

       A rainha foi então buscar proteção junto aos temidos jagas, guerreiros nômades que se organizavam em quilombos – acampamentos que se deslocavam conforme as necessidades de guerra, com rígida hierarquia e severa disciplina militar. Nzinga recebeu o título feminino mais importante no kilombo – Tembanza -, assumindo funções rituais essenciais.

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           Por volta de 1630, Nzinga ocupou o reino de Matamba (Ndongo Oriental), terra evocativa de seus ancestrais e tradicionalmente governada por mulheres. Foi na condição de rainha de Matamba que ela soube da invasão holandesa em Angola, em 1641. Ali estava uma oportunidade de estabelecer nova aliança para minar a presença portuguesa na região. Nzinga aproximou-se dos invasores, e juntos criaram uma importante rota comercial que conectava Luanda (agora de posse holandesa) a Matamba, trocando escravos por mercadorias europeias, sobretudo armas de fogo.

         Era fundamental para a oligarquia do Rio de Janeiro restabelecer o domínio do mercado de escravos em Angola. Isso foi conseguido em 1648 por iniciativa de Salvador de Sá, que organizou tropas formadas por índios e bandeirantes para expulsar os holandeses. A vitória lusa teve o efeito direto de enfraquecer a rainha Nzinga.

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        O papa Gregório XV, com o objetivo de diminuir o poder que as coroas ibéricas tinham acumulado com as colonizações, criara em 1622 a Propaganda Fide – a “propagação da fé” –, que permitiu a ida à África Central de missionários que não tinham relações com a Coroa portuguesa. Entre eles estavam os capuchinhos, que chegaram à região na década de 1640. Nzinga enxergou nesses religiosos outra possibilidade de fazer novos aliados europeus que não fossem ligados ao governo português. Por meio do capuchinho italiano Antonio de Gaeta, Nzinga retornou ao catolicismo em 1656, renegando os ritos gentílicos e aceitando a fé de Cristo. A convenção ao cristianismo foi uma saída estratégica, pois, já idosa, ela sabia que a cruz seria o caminho mais rápido para a paz.

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           A líder Matamba morreu em dezembro de 1663, com mais de 80 anos, sepultada de acordo com os ritos cristãos. O povo Mbundo a venerou como “rainha imortal”, que nunca se entregou e que jamais aceitou a submissão aos invasores. Sua fama atravessou o Atlântico e chegou ao Brasil. Aqui, o nome Ginga, ou Jinga, é evocada em rodas de capoeira, em congados e maracatus de múltiplas formas: como guerreira que engana os adversários, inimiga da corte cristã, venerável ancestral de Angola.

BRACKS, Mariana. Ginga, a incapturável. Disponível em: www.revistadehistoria.com.br/secao/retrato/ginga-a-incapturavel-1. Acesso em: 31 mar. 2015.

Referências:

BRACKS, Mariana. Ginga, a incapturável. Disponível em: www.revistadehistoria.com.br/secao/retrato/ginga-a-incapturavel-1, acessado em: 31 mar. 2015.

VICENTINO, Cláudio; VICENTINO, José Bruno.Projeto mosaico: história – anos finais (ensino fundamental), 7° ano. 1ª ed. São Paulo: Scipione, 2015. p. 274-275.

 

Fred Costa

 

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