Vestígios arcaicos
Em 2008, o repórter Mário Magalhães
e o repórter fotográfico Joel Silva elaboraram uma matéria que investigava as
condições de vida e o trabalho dos cortadores de cana no interior do estado de
São Paulo. Abaixo, leia um trecho da reportagem.
Vestígios
arcaicos
Cor
da pele, vocabulário e analfabetismo remetem cortadores de cana de São Paulo
aos tempos do escravismo.
O
cenário verdejante que pigmenta as fotografias e colore o horizonte não passa
de ilusão – o tom do canavial é outro. A fuligem das queimadas ensombrece as
varas de cana de açúcar e torna rubro-negra a terra roxa em que outrora se
fincavam cafezais. Fragmentos da palha incinerada se amalgamam com o suor dos
rostos e desenham máscaras escuras. A cor predominante dos canavieiros, de
banho tomado, não muda.
São
negros – a soma de “pretos” e “pardos” – 63,7% dos trabalhadores no cultivo da
cana no país. A proporção supera os 43,4% de negros na PEA (População
Economicamente Ativa) e os 55% na PEA rural.
[...]
Traços
raciais e instrumentos de ofício se mantêm, mas o anacronismo vai além da semelhança
de personagens dos retratos atuais com os das pinceladas do século retrasado. É
como se estatuto e cultura escravista teimassem em permanecer, assim como um pé
de cana se agarra ao solo e por vezes rende dez safras.
“Já
conversei com o meu feitor”, diz um canavieiro, sobre a autorização para que
ele fosse fotografado para a reportagem (pedido negado). “O meu feitor é bom
comigo”, concede outro.
Inexiste
conteúdo pejorativo, na boca dos cortadores, ao pronunciar a palavra. No Houaiss,
uma acepção de feitor: “Diz-se de encarregado dos trabalhadores escravos”. Os chefes
de turma assim são chamados na roça. Em meio ao canavial, o cortador cuida do
seu “eito”. “Não paro até acabar o meu eito”, conta um. O dicionário define
eito como “plantação em que os escravos trabalhavam”.
MAGALHÃES, Mário;
SILVA, Joel. Vestígios arcaicos. Folha de
S. Paulo, São Paulo, 24 ago. 2008. Disponível em:
<www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2408200817.htm>. Acesso em: 31 maio
2015.
Referência:
MAGALHÃES,
Mário; SILVA, Joel. Vestígios arcaicos.
Folha de S. Paulo, São Paulo, 24 ago. 2008. Disponível em:
<www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2408200817.htm>. Acesso em: 31 maio
2015.
VICENTINO,
Cláudio; VICENTINO, José Bruno. Projeto
mosaico: história – anos finais (ensino fundamental), 8° ano. 1ª ed. São Paulo:
Scipione, 2015. p. 313.
Fred Costa
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