Uma rainha africana
[...]
A trajetória de Nzinga Mbandi é um
exemplo de como os chefes centro-africanos enfrentaram o avanço português.
[...]
Nasceu em 1582, filha do oitavo Ngola (do qual derivaria o nome Angola),
título do principal chefe do reino do Ndongo.
[...]
No reinado de seu irmão Ngola
Mbandi, agravou-se a tensão entre os locais e os conquistadores. Em 1617, o
governador de Angola, Luis Mendes de Vasconcelos, invadiu o reino de Ndongo
para construir o presídio Mbaka, a poucas milhas de Cabaça, a moradia do Ngola.
O resultado foi uma guerra intensa, ao fim da qual Ngola, vencido, refugiou-se
a ilha de Kindonga, no rio Kwanza. Em 1622, João Correia de Sousa assumiu o
governo e decidiu procurar o Ngola para restabelecer a paz, uma vez que o
cenário de guerra paralisara os mercados de escravos. Foi quando Nzinga entrou
em cena.
Ngola Mbandi mandou sua irmã mais
velha como embaixadora para negociar a paz com os portugueses. Na audiência com
o governador, ela impressionou a todos por sua inteligência e habilidade
diplomática. Defendeu a manutenção da independência do Ndongo e o não pagamento
de qualquer tributo à Coroa e o não pagamento de qualquer tributo à Coroa
portuguesa, mas se mostrou aberta ao comércio. Entendendo que a paz com os
portugueses passava pelo batismo cristão, aceitou o sacramento: recebeu o nome
de D. Anna de Sousa,m tendo como padrinho o próprio governador. De sua parte,
os portugueses se comprometeram a efetivar a retirada do presídio de Mbaka.
O acordo, porém, não foi cumprido
nem por aquele governador nem pelos sucessores. A situação levou ao
enfraquecimento político de Ngola Mbandi, que morreu na ilha de Kindonga, em
1624, em circunstâncias que continuam sendo uma incógnita para a historiografia
de Angola. Nzinga se apoderou das insígnias reais e assumiu o trono do Ndongo.
A nova rainha foi associada à
possibilidade de libertação do povo Mbundo, etnia predominante no reino Ndongo.
As crescentes fugas de [...] escravizados que guarneciam os presídios [...]
enfraqueciam as tropas lusas, enquanto fortaleciam o exército de Nzinga. Aproveitando-se
desse contexto favorável, a rainha lançou a campanha antilusitana, formando e
liderando uma confederação de descontentes com a colonização. Conquistou o
apoio de sobas que já haviam se
avassalado, além de poderosos chefes que não pertenciam ao Ndongo, como o
Ndembo Mbwila (Ambuíla).
Capturar Nzinga e reduzi-la à
obediência passou a ser um dos objetivos principais do governo português. [...]
A rainha foi então buscar proteção
junto aos temidos jagas, guerreiros
nômades que se organizavam em quilombos
– acampamentos que se deslocavam conforme as necessidades de guerra, com rígida
hierarquia e severa disciplina militar. Nzinga recebeu o título feminino mais
importante no kilombo – Tembanza -,
assumindo funções rituais essenciais.
[...]
Por volta de 1630, Nzinga ocupou o
reino de Matamba (Ndongo Oriental), terra evocativa de seus ancestrais e
tradicionalmente governada por mulheres. Foi na condição de rainha de Matamba
que ela soube da invasão holandesa em Angola, em 1641. Ali estava uma
oportunidade de estabelecer nova aliança para minar a presença portuguesa na
região. Nzinga aproximou-se dos invasores, e juntos criaram uma importante rota
comercial que conectava Luanda (agora de posse holandesa) a Matamba, trocando
escravos por mercadorias europeias, sobretudo armas de fogo.
Era fundamental para a oligarquia do
Rio de Janeiro restabelecer o domínio do mercado de escravos em Angola. Isso foi
conseguido em 1648 por iniciativa de Salvador de Sá, que organizou tropas
formadas por índios e bandeirantes para expulsar os holandeses. A vitória lusa
teve o efeito direto de enfraquecer a rainha Nzinga.
[...]
O papa Gregório XV, com o objetivo
de diminuir o poder que as coroas ibéricas tinham acumulado com as
colonizações, criara em 1622 a Propaganda
Fide – a “propagação da fé” –, que permitiu a ida à África Central de
missionários que não tinham relações com a Coroa portuguesa. Entre eles estavam
os capuchinhos, que chegaram à região na década de 1640. Nzinga enxergou nesses
religiosos outra possibilidade de fazer novos aliados europeus que não fossem
ligados ao governo português. Por meio do capuchinho italiano Antonio de Gaeta,
Nzinga retornou ao catolicismo em 1656, renegando os ritos gentílicos e
aceitando a fé de Cristo. A convenção ao cristianismo foi uma saída
estratégica, pois, já idosa, ela sabia que a cruz seria o caminho mais rápido
para a paz.
[...]
A líder Matamba morreu em dezembro
de 1663, com mais de 80 anos, sepultada de acordo com os ritos cristãos. O povo
Mbundo a venerou como “rainha imortal”, que nunca se entregou e que jamais
aceitou a submissão aos invasores. Sua fama atravessou o Atlântico e chegou ao
Brasil. Aqui, o nome Ginga, ou Jinga, é evocada em rodas de capoeira, em
congados e maracatus de múltiplas formas: como guerreira que engana os
adversários, inimiga da corte cristã, venerável ancestral de Angola.
BRACKS, Mariana. Ginga, a incapturável. Disponível em: www.revistadehistoria.com.br/secao/retrato/ginga-a-incapturavel-1.
Acesso em: 31 mar. 2015.
Referências:
BRACKS,
Mariana. Ginga, a incapturável.
Disponível em: www.revistadehistoria.com.br/secao/retrato/ginga-a-incapturavel-1,
acessado em: 31 mar. 2015.
VICENTINO,
Cláudio; VICENTINO, José Bruno.Projeto
mosaico: história – anos finais (ensino fundamental), 7° ano. 1ª ed. São
Paulo: Scipione, 2015. p. 274-275.
Fred Costa
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