Movimentos Civis nos EUA
O Movimento Negro Estadunidense
Os ativistas negros nos EUA
aproveitaram o contraste entre realidade dura das relações raciais nos Estados
Unidos e a imagem democrática que o governo queria projetar por causa da Guerra
Fria. Lembrando que esse conflito colocava EUA e URSS em posições antagônicas,
principalmente ideológicas, sendo a propaganda bastante utilizada por ambos os
países. Pelo ponto de vista capitalista, a União Soviética espalhava a ditadura
e autoritarismo enquanto os EUA eram à base da democracia e liberdades individuais.
Desde o fim da escravidão nos EUA no
ano de 1865, os negros lutavam por mais direitos negados após se tornarem
livres. Foram alvos inclusive de diversos movimentos violentos como a Ku Klux
Klan e Cavaleiros da Camélia Branca. Havia uma ferida aberta na sociedade
americana que alimentava o preconceito e a exclusão social, devido pensamento de que eram superior pela sua cor
de pele.
Em 1954, a Suprema Corte proibiu a
segregação em escolas públicas e no ano seguinte foram organizados boicotes
contra a segregação nos ônibus no estado do Alabama. Esse movimento teve forte
impacto nos EUA, sendo que várias pessoas participavam desse movimento lutando
por igualdade civil entre brancos e negros e pelo fim da discriminação racial
no país. Os principais líderes foram Martin Luther King Jr. e Malcom X. No
entanto, cada um deles defendia estratégias diferentes de luta.
Martin Luther King foi um pastor da Geórgia que coordenou a luta por direitos
civis por meio da desobediência civil não violenta. Orador poderoso fez um
discurso marcado pela moral religiosa que combinava a retórica da liberdade com
a da justiça social. No dia 28 de agosto de 1963, intitulado por “Eu tenho um
sonho”, suas palavras entrariam para a história por clamar por um futuro mais
justo para os negros estadunidenses.
Confira o discurso na íntegra:
"Estou feliz por estar hoje com vocês
num evento que entrará para a história como a maior demonstração pela liberdade
na história de nosso país.
Há
cem anos, um grande americano, sob cuja simbólica sombra nos encontramos,
assinou a Proclamação da Emancipação. Esse decreto fundamental foi como um
grande raio de luz de esperança para milhões de escravos negros que tinham sido
marcados a ferro nas chamas de uma vergonhosa injustiça. Veio como uma aurora
feliz para pôr fim à longa noite de cativeiro.
Mas,
cem anos mais tarde, devemos encarar a trágica realidade de que o negro ainda
não é livre. Cem anos mais tarde, a vida do negro está ainda infelizmente
dilacerada pelas algemas da segregação e pelas correntes da discriminação.
Cem
anos mais tarde, o negro ainda vive numa ilha isolada de pobreza no meio de um
vasto oceano de prosperidade material. Cem anos mais tarde, o negro ainda
definha nas margens da sociedade americana estando exilado em sua própria
terra. Por isso, encontramo-nos aqui hoje para dramatizar essa terrível
condição.
De
certo modo, viemos à capital do nosso país para descontar um cheque. Quando os
arquitetos da nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição
e a Declaração da Independência, eles estavam a assinar uma nota promissória da
qual todo americano seria herdeiro. Essa nota foi uma promessa de que todos os
homens teriam garantia aos direitos inalienáveis de "vida, liberdade e à
procura de felicidade".
É
óbvio que a América de hoje ainda não pagou essa nota promissória no que
concerne aos seus cidadãos de cor. Em vez de honrar esse compromisso sagrado, a
América entregou ao povo negro um cheque inválido devolvido com a seguinte
inscrição: "Saldo insuficiente".
Porém
recusamo-nos a acreditar que o banco da justiça abriu falência. Recusamo-nos a
acreditar que não haja dinheiro suficiente nos grandes cofres de oportunidade
desse país. Então viemos para descontar esse cheque, um cheque que nos dará à
vista as riquezas da liberdade e a segurança da justiça.
Viemos
também para este lugar sagrado para lembrar à América da clara urgência do
agora. Não é hora de se dar ao luxo de procrastinar ou de tomar o remédio
tranquilizante do gradualismo. Agora é tempo de tornar reais as promessas da
democracia.
Agora
é hora de sair do vale escuro e desolado da segregação para o caminho iluminado
da justiça racial. Agora é hora [aplausos] de retirar a nossa nação das areias
movediças da injustiça racial para a sólida rocha da fraternidade. Agora é hora
de transformar a justiça em realidade para todos os filhos de Deus.
Seria
fatal para a nação não levar a sério a urgência desse momento. Esse verão
sufocante da insatisfação legítima do negro não passará até que chegue o
revigorante outono da liberdade e igualdade. Mil novecentos e sessenta e três
não é um fim, mas um começo. E aqueles que creem que o negro só precisava
desabafar e que agora ficará sossegado, acordarão sobressaltados se o país
voltar ao ritmo normal.
Não
haverá nem descanso nem tranquilidade na América até o negro adquirir seus
direitos como cidadão. Os turbilhões da revolta continuarão a sacudir os
alicerces do nosso país até que o resplandecente dia da justiça desponte.
Há algo,
porém, que devo dizer a meu povo, que se encontra no caloroso limiar que conduz
ao palácio da justiça: no processo de ganhar o nosso legítimo lugar não devemos
ser culpados de atos errados. Não tentemos satisfazer a sede de liberdade
bebendo da taça da amargura e do ódio. Devemos sempre conduzir nossa luta no
nível elevado da dignidade e disciplina.
Não
devemos deixar que o nosso protesto criativo se degenere na violência física.
Repetidas vezes, teremos que nos erguer às alturas majestosas para encontrar a
força física com a força da alma.
Esta
nova militância maravilhosa que engolfou a comunidade negra não nos deve levar
a desconfiar de todas as pessoas brancas, pois muitos dos irmãos brancos, como
se vê pela presença deles aqui, hoje, estão conscientes de que seus destinos
estão ligados ao nosso destino.
E
estão conscientes de que sua liberdade está intrinsicamente ligada à nossa
liberdade. Não podemos caminhar sozinhos. À medida que caminhamos, devemos
assumir o compromisso de marcharmos em frente. Não podemos retroceder.
Há
quem pergunte aos defensores dos direitos civis: "Quando é que ficarão
satisfeitos?" Não estaremos satisfeitos enquanto o negro for vítima dos
indescritíveis horrores da brutalidade policial. Jamais poderemos estar
satisfeitos enquanto os nossos corpos, cansados com as fadigas da viagem, não
conseguirem ter acesso aos hotéis de beira de estrada e das cidades.
Não
poderemos estar satisfeitos enquanto a mobilidade básica do negro for passar de
um gueto pequeno para um maior. Não podemos estar satisfeitos enquanto nossas
crianças forem destituídas de sua individualidade e privadas de sua dignidade
por placas onde se lê "somente para brancos".
Não
poderemos estar satisfeitos enquanto um negro no Mississippi não puder votar e
um negro em Nova Iorque achar que não há nada pelo qual valha a pena votar.
Não, não, não estamos satisfeitos e só estaremos satisfeitos quando "a
justiça correr como a água e a retidão como uma poderosa corrente".
Eu
sei muito bem que alguns de vocês chegaram aqui após muitas dificuldades e
tribulações. Alguns de vocês acabaram de sair de pequenas celas de prisão.
Alguns de vocês vieram de áreas onde a sua procura de liberdade lhes deixou
marcas provocadas pelas tempestades de perseguição e pelos ventos da brutalidade
policial.
Vocês
são veteranos do sofrimento criativo. Continuem a trabalhar com a fé de que um
sofrimento injusto é redentor. Voltem para o Mississippi, voltem para o
Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para
Luisiana, voltem para as favelas e guetos das nossas modernas cidades, sabendo
que, de alguma forma, essa situação pode e será alterada. Não nos embrenhemos
no vale do desespero.
Digo-lhes
hoje, meus amigos, que, apesar das dificuldades e frustrações do momento, eu ainda
tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.
Eu
tenho um sonho que um dia essa nação levantar-se-á e viverá o verdadeiro
significado da sua crença: "Consideramos essas verdades como
auto-evidentes que todos os homens são criados iguais."
Eu
tenho um sonho que um dia, nas montanhas rubras da Geórgia, os filhos dos
descendentes de escravos e os filhos dos descendentes de donos de escravos
poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade.
Eu
tenho um sonho que um dia mesmo o estado do Mississippi, um estado desértico
sufocado pelo calor da injustiça, e sufocado pelo calor da opressão, será
transformado num oásis de liberdade e justiça.
Eu
tenho um sonho que meus quatro pequenos filhos um dia viverão em uma nação onde
não serão julgados pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu caráter. Eu tenho
um sonho hoje.
Eu
tenho um sonho que um dia o estado do Alabama, com seus racistas cruéis, cujo
governador cospe palavras de "interposição" e "anulação",
um dia bem lá no Alabama meninos negros e meninas negras possam dar-se as mãos
com meninos brancos e meninas brancas, como irmãs e irmãos. Eu tenho um sonho
hoje.
Eu
tenho um sonho que um dia "todos os vales serão elevados, todas as
montanhas e encostas serão niveladas; os lugares mais acidentados se tornarão
planícies e os lugares tortuosos se tornarão retos e a glória do Senhor será
revelada e todos os seres a verão conjuntamente".
Essa
é a nossa esperança. Essa é a fé com a qual eu regresso ao Sul. Com essa fé nós
poderemos esculpir na montanha do desespero uma pedra de esperança. Com essa fé
poderemos transformar as dissonantes discórdias do nosso país em uma linda
sinfonia de fraternidade.
Com
essa fé poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, ser presos
juntos, defender a liberdade juntos, sabendo que um dia haveremos de ser
livres. Esse será o dia, esse será o dia quando todos os filhos de Deus poderão
cantar com um novo significado:
Meu
país é teu, doce terra da liberdade, de ti eu canto.
Terra
onde morreram meus pais, terra do orgulho dos peregrinos, que de cada lado das
montanhas ressoe a liberdade!
E
se a América quiser ser uma grande nação, isso tem que se tornar realidade.
E
que a liberdade ressoe então do topo das montanhas mais prodigiosas de Nova
Hampshire.
Que
a liberdade ressoe das poderosas montanhas de Nova Iorque.
Que
a liberdade ressoe das elevadas montanhas Allegheny da Pensilvânia.
Que
a liberdade ressoe dos cumes cobertos de neve das montanhas Rochosas do
Colorado.
Que
a liberdade ressoe dos picos curvos da Califórnia.
Mas
não só isso; que a liberdade ressoe da montanha Stone da Geórgia.
Que
a liberdade ressoe da montanha Lookout do Tennessee.
Que
a liberdade ressoe de cada montanha e de cada pequena elevação do Mississippi. Que
de cada encosta a liberdade ressoe.
E
quando isso acontecer, quando permitirmos que a liberdade ressoe, quando a
deixarmos ressoar de cada vila e cada lugar, de cada estado e cada cidade,
seremos capazes de fazer chegar mais rápido o dia em que todos os filhos de
Deus, negros e brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão
dar-se as mãos e cantar as palavras da antiga canção espiritual negra:
Finalmente
livres! Finalmente livres!
Graças
a Deus Todo Poderoso, somos livres, finalmente."
Contra o
Preconceito. Disponível em: https://www.nsctotal.com.br/noticias/confira-a-traducao-na-integra-do-discurso-feito-por-martin-luther-king-ha-50-anos,
acessado em 02 de junho de 2020
MAGALHÃES,
Gustavo Celso de; HERMETO, Miriam. História,
9° ano: Ensino Fundamental, livro 2. Belo Horizonte: Editora Educacional,
2017.
PELLEGRINI,
Nelson; DIA, Adriano; GRINBERG, Keila. Vontade
de saber história, 9° ano. 3ª ed. São Paulo: FTD, 2015.
VICENTINO,
Cláudio; VICENTINO, José Bruno. Projeto
Mosaico: história – anos finais (ensino fundamental). 1ª ed. São Paulo:
Scipione, 2015.
Fred Costa
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